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VIAGEM PITORESCA ATRAVÉS DO ESPAÇO

AO REDOR DA MINHA CASA

 

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Registros fotográficos Renato Costa

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Do cerrado dos Campos de Piratininga  Marcio Harum entrevista Daniel Caballero,  2012

 

MH: A tua formação é resultado direto do teu trabalho com a ilustração, Daniel. Como você explica essa passagem da ilustração ao campo da produção artística na tua trajetória?

DC: Minha formação é decorrente de vários interesses, alguns mais difíceis de associar à minha produção, como, por exemplo, jardinagem. Sempre tive interesse em jardins, e aprendi a desenhar a partir de estudos com plantas.

Muito jovem, conheci o trabalho de alguns dos naturalistas famosos: Rugendas, Frans Post, Debret, Albert Eckhout; estudei muitíssimo as aquarelas da Margareth Mee, por exemplo. Posteriormente, fui trabalhar com ilustração e design, e o que me interessa nesse campo é o registro da memória visual. Pode-se entender bastante do contexto de uma época, apenas observando os seus desenhos e objetos, e isso alimenta meu repertório de possibilidades como artista.

Especificamente neste trabalho para o Paço das Artes, me apropriei do conceito naturalista, para trabalhar com o projeto de uma instalação que conta com desenhos que partem dessa carga de informação, ao debater assuntos que não estão contidos na ilustração botânica, ou científica.

 

MH: À partir de percursos urbanos, para o teu trabalho no Paço das Artes, surgem desenhos e mais desenhos sob o teu olhar bem particular, e formam um conjunto de vistas absolutamente irreconhecíveis e corriqueiras da cidade. Como se dão essas andanças?

DC: Procuro exotismo no cotidiano. Tento usar estratégias para sair do que é familiar. Mudo meus horários em relação aos de costume para observar a cidade, sem participar. Saio, vou até algum ponto da cidade e fico parado como se estivesse numa pescaria, esperando 'fisgar" algo fora da ordem. Minhas rotas habituais, ocupam uma área reduzida da cidade, e me desloco para locais que não conheço tentando me perder. Essas tentativas de aventura, de deriva e de buscar novidades, apesar de divertidas, se demonstram não essenciais.

No fim, todos os espaços da cidade, do centro até a periferia, são igualmente recortados e destinados a alguma finalidade pelo trajeto.

Dentro desses espaços, existem elementos ou situações sobrepostas ao acaso, coladas na paisagem. São presenças invisíveis e atuantes na rotina diária da populacão local. Então por fim, acabo explorando o meu entorno, e uso meu olhar para aproveitar o que se apresenta à minha frente.

 

MH: Esmiúce por favor o teu processo de olhar o entorno, o da edição de pontos da cidade que vão merecer a captura de imagens e o natural desdobramento com a realização dos desenhos.

DC: Meu trabalho surge do interesse em entender como ocupamos os espaços da cidade. O momento no qual, por exemplo, determinamos como queremos as paredes das nossas casas ou como percebemos como as ruas se transformam, se desenvolvem.

Comecei o processo de observação para esta pesquisa, aonde descobri diferentes hierarquias entre os elementos da paisagem. Como aparentemente nada é construído sem motivo, estão presentes em meu trabalho esses mesmos elementos, que são construídos com um propósito claro na sua função e importância para a vida coletiva.

Mas existem outros elementos que são subprodutos da movimentação da cidade por força da flutuação financeira do mercado imobiliário, ou resultantes de sobreposições de idéias antagônicas. Muitos desses elementos acabam por se perder, não tornam-se uma coisa nem outra, formam uma nova espécie, ou categoria de objeto disfuncional.

No desenvolvimento do ambiente artificial, as áreas de vegetação em geral são tratadas como elementos secundários da paisagem, talvez por que de certo modo a cidade não precise mais dessas áreas para desenvolver-se.

Como as pessoas que vivem nas cidades precisam dessas áreas, a natureza há de ser construída. Utilizo os desenhos para registrar objetos e esculturas que sintetizam sequências de acontecimentos, e com isso investigo a diferença entre o que é natural (algo independente da intervenção humana) e o que é a natureza construída ou seja, o que passa a existir para atender as nossas necessidades urbanas.

 

MH: No teu trabalho há uma perspectiva histórica relutante no traço observatório do desenho de natureza (Debret, Rugendas, e mais), que começa a surgir discretamente. Como você define este acontecimento em função da tua produção artística recente depois de longa experiência com a ilustração?

DC: Veja, os desenhos surgiram como uma pratica autêntica de entendimento do espaço urbano. Sem trocadilhos, mas foi um processo "natural" e não um acontecimento, sempre uso desenho no meu processo de criação. Procurei fazer o mesmo que os viajantes naturalistas, mas em um ambiente artificial e sem as constantes e longas viagens.

O ato contém propositadamente ironia e subversão, desrespeito em perspectiva o colonialista arrogante e seu olhar europeu, que se valia de artistas para sua metodologia de domínio na coleta sistemática de informações. Hoje, sabemos pelo distanciamento histórico como aquele olhar era pouco científico e sim mercantilista, seguramente.

Portanto, trata-se de um método com verniz de propriedade, mas comprovadamente falho e que o utilizo para mostrar coisas e atos falhos. Os meus desenhos respeitam os procedimentos do naturalismo, mas emprestam uma memória visual de época hibridizada, que denuncia tratar-se de desenhos atuais.

 

MH: A que propósitos servem o teu trabalho para a edição e agrupamento de imagens e desenhos? Como você chegou a necessidade de ter uma instalação e não simplesmente uma série de desenhos como projeto de exposição para a Temporada do Paço? Não te parece que pode estar aí incluído algum efeito colateral da cultura de editais? No que realmente se baseia este teu projeto instalativo?

DC: Acho que já respondi essas indagações e não quero ser redundante. Digo que sou um artista que pensa prioritariamente a instalação, muitas vezes em site-specific. De fato os desenhos podem ser autonômos, mas já os havia experimentado assim e tinha outras idéias em mente.

Se pensarmos talvez o conjunto como um gabinete de curiosidades, onde as esculturas, as amostras e os desenhos façam parte de um mesmo tema único de estudo, se consegue visualizar mais facilmente a proposição. Sinceramente, não entendo muito de editais, apesar de já ter me inscrito em alguns, só levei a sério mesmo este do Paço, e foi de tanto alguns amigos artistas insistirem comigo de sua importância. Achava a tarefa chata, ter que preencher formulários e documentos, mas estou começando a pensar que é uma boa opção de ganhar visibilidade, sei lá…estou tomando gosto.

 

MH: Aonde você assume que está a imaginação de Viagem Pitoresca através do espaço ao redor da minha casa, título do teu projeto para a Temporada do Paço das Artes em 2012?
DC: Realizar o trabalho tendo como o ponto de partida a vivência dos procedimentos dos artistas naturalistas de séculos atrás na atualidade da experiência da complexa malha das dificuldadades ubanísticas da São Paulo dos dias de hoje, já contém uma boa dose de imaginação por si só. É quase como brincar de Tim Tim, e o resto é apenas consequência.

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Forquilha para terrenos baldios por Marcio Harum,  2012

 

Por entre os infinitos do mundo que é São Paulo, acumulam-se sequências e inconsequência de visões em relação a um pequeno microcosmo vivido, percorrido e reconhecido com intenções de aventura e pesquisa botânica em Viagem Pitoresca através do espaço ao redor da minha casa, projeto de Daniel Caballero para a Temporada de Projetos do Paço das Artes 2012.

Em seus field trips habituais de fotografia/ desenho de observação e classificação, o artista explora os arrabaldes de sua vizinhança, buscando aperfeiçoar um enquadramento paisagístico urbano através de técnicas de caráter seco, sem expressividade aparente, mas circunscrito a um forte senso perceptivo de ambientes. Esse trabalho é primeiramente apresentado aqui como um conjunto originariamente agrupado pela utilização combinada de canetas Bic, canetinhas e nanquim.

A presença de sentido, em sua mais recente produção artística, tenta descrever e catalogar as amostras deslocadas da flora in situ pela cidade afora, ao querer fazer aproximá-lo talvez do ofício de um mateiro ancestral de Rugendas, mas sem o facão para abrir picadas na mata. Em seu estudo, Caballero incorpora e reproduz múltiplas imagens de folhagens revoltas, arbustos rasteiros e relva daninha com a perfeição e a limpeza do traço de quem realmente tem iniciado suas práticas em meio ao universo sistematicamente profissionalizado da ilustração.

A estrutura de fundo para esta coleção de desenhos conta com inúmeras ocorrências comuns das cidades em qualquer dimensão; são evidências de territórios que desaparecem e se renovam em constante devoração semi-arqueológica, delineadas a partir do imaginário individual ou do esquecimento que afeta a vida coletiva. A instalação de Caballero exerce um poder de indução e nos indaga: o que soa atraentemente mais natural? A falta de espaços públicos, o cimento, a especulação imobiliária ou a árvore? O poste, a grama (campo construído) ou o urbanismo sem planejamento? Um terreno baldio abandonado e invisível ou o regulador mercado financeiro?

Há uma aproximação espontânea deste trabalho com o conhecimento de alguns procedimentos técnicos de jardinagem e o cuidado com as plantas. De outro lado nos faz rememorar os registros notáveis dos históricos naturalistas que irromperam nos interiores do Brasil, tal qual Florence, Langsdorff, Spix e Martius, e mais. A instância posta nessa mostra é a da abertura de um debate de assuntos que não estão contidos na ilustração ou na academia de estudos botânicos ou científicos.

Uma dada constatação das provas bastante interessantes que a sua investigação confirma na região de “Campos de Piratininga”(São Paulo); é que sendo o cerrado uma vegetação pouco exuberante, de capim alto e arbustos espinhentos, aos olhos leigos essas características realistas de descrição formam o que deve parecer ser um terreno baldio. Em um dos pedaços de chão de terra fragmentado atrás de um hipermercado pericêntrico, Caballero descobre ao invadir o cercado das empreiteiras da construção civil um “terrenico” de vegetação única, onde habitam espécies endêmicas na cidade em que mapeia. Essas mesmas áreas, que parecem ser apenas demarcadas para a possível transformação do capim em arbusto, do arbusto em árvore, da árvore em bosques, faz com que os enxerguemos como terrenos desocupados e não como remanescentes de ecosistemas anteriores. Vivemos o tempo do conceito dos valores invertidos.

Recordar que uma árvore ou os gramados da cidade não tem nada a ver necessariamente com a natureza, pode gerar conflitos com algumas das noções e raciocínios por parte dos militantes do ambientalismo. É inegável a dificuldade de assimilação do assunto por aqueles que compreendem mal os conceitos frágeis sobre tal ordem de mapeamento artístico e urbano. Se o bioma do cerrado, que se encontra na USP por exemplo, passou tanto tempo despercebido, é simples de imaginar a recepção de aspectos similares por dirigentes no poder privado e público que são absolutamente leigos ou contrários quanto aos temas de conservação do patrimônio público geográfico, histórico e cultural. O trabalho de Caballero nos dá acesso a área mais verdadeiramente natural dentro de uma cidade qualquer, com direito a uma viagem no tempo a pessoal cidade interna, ao vermos que as suas redescobertas prezam paisagens e espécies extintas. Com certeza faz uma grande falta nessa mostra o Guia de Terrenos Baldios da Cidade de São Paulo, da artista espanhola Lara Almárcegui, que realizou tal pesquisa e trabalho artístico durante os meses de sua residência artística durante os preparativos da 27a Bienal de São Paulo, em 2006.

Viagem Pitoresca através do espaço ao redor da minha casa, nos deixa à sombra do dilema e metáfora de subexistir em meio a tanta falta de rés do chão: nos resta enfiar uma caixa de concreto na cabeça como forma de prosseguir a vida sem interrupções (alusão a peça diorama de Daniel Caballero, feita de papelão e exibida na vitrine do MASP a convite de Regina Silveira na estação de metrô Trianon-MASP no 1o trimestre de 2012) ou então simplesmente montar em um tapete de grama voadora rumo ao reencontro com a natureza perdida.

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O pitoresco mora ao lado  por Raphael Fonseca,  2012

 

No Paço das Artes, em São Paulo, estão abertas as exposições relativas à 2ª e 3ª Temporada de Projetos. Seis artistas com diferentes pesquisas visuais apresentam seus trabalhos. Após se passar pelas pinturas de Paulo Almeida ou pelas colagens com cédulas de Rodrigo Torres, há o encontro com outra série de imagens expostas sobre a parede.

Prendedores sustentam folhas de papel de diversos tamanhos que sutilmente se sobrepõe e sugerem a forma de um irregular mosaico. À primeira vista são “desenhos detalhados da natureza”. Com um olhar atento, fica claro que nenhuma imagem é dada de modo direto. Uma árvore surge ao centro do papel, numa configuração semelhante à ilustração científica. Seu protagonismo, porém, é parcial; um poste, um filho da “natureza hominídea”, é envolvido por seus galhos. Há o atravessamento de elementos discrepantes: a árvore que se alastra de modo horizontal e pictórico através de suas folhas e a coluna elétrica que intervém linearmente com seus cabos que escapam das margens. Ambas as bases destas diferentes colunas metropolitanas estão pintadas de branco; o que leva o homem a tentar aproximar visualmente árvore e poste? De que adianta homogeneizar seus “pés” se será necessário rasgar parte da árvore para que a eletricidade se propague?

Um agrupamento de objetos no espaço expositivo amplia a tensão encontrada nestes desenhos. Uma estrutura assimétrica construída com pedaços de madeira e fita adesiva se transforma em um altar para fragmentos de florestas – não há espaço para árvores, mas para maquetes da paisagem, pequenos vasos de plantas. Canos se interceptam e criam um ruído na apreensão desta estufa fictícia: a linha que ditava ambiências sobre o papel, ganha um caráter expressivo no espaço e impossibilita o domínio por parte do público. Há aqui a lembrança visual de Franz Weissmann somada à consciência de que os ventos contemporâneos são outros. Como dar conta das múltiplas direções desta instalação em um olhar ou fotografia?

“Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa” é o título deste trabalho de Daniel Caballero. Não se pode mais falar num “Brasil”, tal qual Rugendas o fez em seu álbum de imagens, em 1835, assim como não é possível dar conta da diversidade paisagística de São Paulo. Por outro lado, é possível compartilhar a apreensão daquilo que está ao redor de nosso ninho e codifica-lo em visualidade. Transformar suas gambiarras em arte é iluminar não só as precariedades de outras cidades pelo globo, mas nos fazer refletir sobre o frágil e provisório entre e dentro de nós mesmos. O pitoresco mora ao lado.

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O projeto Vitrines, uma parceria do MASP com o Metrô de São Paulo, com a curadoria de Regina Silveira, utiliza as vitrines da estação Trianom/MASP, para expor trabalhos de instalação. Dando continuidade ao projeto, participo com "Diorama - Homem pensando sua natureza" que propõe, a exemplo dos dioramas clássicos uma cena naturalista, mas que neste caso não trata de povos ou lugares exóticos, apenas um homem pensando  no seu cotidiano. O ambiente é formado por objetos coletados e desenhos do entorno da estação.

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Com curadoria de Rejane Cintrão, a Coletiva Ateliê Fidalga no Banco Santander, ocupou todos os andares e áreas de convivência da sede do banco.  A minha participação se deu com desenhos da série "Estudos naturalistas do espaço ao redor da minha casa". Um pequeno ensaio para as instalações posteriores onde iria introduzir no meu trabalho, meu desenho baseado nos velhos naturalistas.

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