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Geográfias, 2016, 2017

 

Desenhos de grandes proporções.

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Em Santos, uma lona de caminhoneiro medindo aproximadamente 18m x 4 m, pendurada no teto do enorme salão do Sesc,  sintetiza o percurso que os portugueses fizeram para chegar em Piratininga, fundando São Paulo. Uma vista aérea mostra a topografia que era atravessada por trilhas indígenas,  posteriormente percorrida pela ferrovia que estabelecia que se essa terra antes era dos nativos, passou a ser do colonizador.

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Nosso lugar é caminho, por Bernardo Mosqueira Fevereiro de 2017

(ao meu amor)

Geografia é a área do conhecimento que estuda a paisagem formada pela relação entre os sistemas de ações ou práticas sociais do humano e o sistema de dispersão de objetos no mundo. Muito além de um conjunto de características morfológicas, a geografia deve ser entendida como a atividade constante de criação de encadeamento lógico sobre a ordem espacial das coisas. É por meio da pesquisa geográfica (na relação entre espaço, sentido e valor, por exemplo) que podemos produzir conceitos para uma teoria social sobre contemporaneidade de forma a construir, também, a própria transformação do mundo que habitamos.

Tudo o que o humano realiza na superfície da terra, ou seja, toda expressão da técnica que transforma fisicamente a paisagem a partir da própria paisagem, acontece para atender às necessidades humanas mais fundamentais, como nutrir-se, abrigar-se, relacionar-se, reproduzir-se, movimentar-se, ter consigo objetos úteis, dar sentido a si e às coisas etc. O que podemos encontrar quando examinamos atenciosamente o espaço que o humano construiu para lhe rodear? De que forma aquilo que nos cerca está para nos ensinar sobre nós mesmos? A paisagem complexa em que vivemos é resultado de muitas camadas de história sobre o mesmo lugar, de sequências de diferentes relações entre atividade humana e estrutura física do mundo. A geografia escuta as perguntas feitas pela paisagem, composta por suas tantas marcas enigmáticas. 

Da perspectiva cultural, a paisagem é justamente onde acontece a mediação entre o mundo das coisas e o da subjetividade humana, é uma “forma de ver”, é o objeto do processo ativo de criação e significação de “perceber” o mundo. 

A presente exposição reúne frutos muito diversos dos encontros entre os sussurros das paisagens de Santos e as pesquisas de um grupo de artistas. “Geografias – nosso lugar é caminho”, é a segunda mostra de uma trilogia iniciada no Sesc Jundiaí em 2016 e que se encerrará em São Paulo em 2018. A palavra “Geografia” (que, sobretudo, é uma ciência moderna, constituída e constituinte da epistemologia hegemônica), em sua presença nos títulos das mostras, serve como metáfora à site-specificity das pesquisas realizadas.

Esse projeto resulta da articulação coletiva entre sete artistas que são atuais membros ou antigos participantes do grupo de estudos do Ateliê Fidalga, conduzido pelos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso na capital paulistana. O subtítulo da mostra faz referência ao fato de que, entre os meses de dezembro de 2016 e fevereiro de 2017, os artistas organizaram, em parceria com o SESC e com a participação do público, uma série de caminhadas por diversas regiões da cidade, nas quais puderam praticar formas alternativas (não-científica, não-hegemônicas) de criar paisagens, de examinar o espaço urbano.

O caminhar é um processo especial de reconhecer territórios e de construir conhecimento sobre um lugar. Na deriva ambulatória, não vemos o mundo com o distanciamento de quem observa um mapa como se sobrevoasse a cidade com olhos universais. Caminhando ao rés do chão, podemos ver as marcas do tempo e da história, não contornamos os sinais da desigualdade social e da exploração do homem pelo homem, carregamos dentro de nós nossa cultura, sentimos os cheiros das esquinas, estamos igualitariamente com objetos, animais e plantas, somos menores que os muros, maiores que quase nada. 

Foi por meio do caminhar em Santos que os artistas Cristina Ataide, Daniel Caballero, Flavia Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal investigaram essa cidade cujo desenvolvimento é entrelaçado à História do Brasil, com um fluxo de formação social e cultural complexo e cheio de dobras, que é parte insular e parte continental, diretamente ligada ao fundo do Oceano Atlântico e ao topo Serra do Mar, que contém o maior porto da América Latina e uma enorme Área de Proteção Ambiental. Os diferentes aspectos da geografia de Santos ecoaram vacantes em cada um dos artistas de maneira que essa exposição oferece ao público paisagens que são fragmentos costurados de paisagem. Essa mostra, uma reunião de olhares simultâneos e alternativos sobre o mesmo lugar, nos inspira a noção de há muitas maneiras de perceber, aprender e se envolver afetivamente com um mesmo entorno. Pois, afinal, o que será que responderemos às paisagens quando passarmos a nos permitir ouvir as perguntas que nos fazem?

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Em Jundiaí, o relevo de montanha,  que poderia ser algum lugar da "Serra do Japi", é desenhado ocupando a lateral externa do prédio da unidade do SESC. A Serra do Japi, é uma pequena cadeia de montanhas, um reduto de Mata Atlântica com sua vida selvagem, que resiste  ilhado entre cidades, industrias e atividades agrícolas. O desenho tenta "ampliar" essa presença na cidade.

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Paisagem mirante, vazante e cheia​, 2019

 

Desenho dupla-face em segmentos de gradil.

Baseado nas estratégias dos antigos outdoors com dois ângulos de visualização, o desenho da sede do Banco Santander na Av. Faria Lima, retrata a paisagem nativa anterior ao urbanismo da região. em dois momentos temporais: da mesma paisagem. a cheia, inundando a várzea no verão e criando uma paisagem pantaneira, e a vazante, quando o campo no inverno seca completamente.

A dimensão do gradil cria algumas possibilidades narrativas, ele não pode ser visto inteiro, mesmo do outro lado da avenida, e quando andamos na calçada onde está a obra, o campo de visão é reduzido, funcionando como uma animação. A avenida movimentada, faz parte do percurso de ida e volta diário de um grande número de pessoas, que podem visualizar a exuberância biológica perdida de um paraíso suplantado pelo crescimento da cidade. O título faz referência também à superfície onde o desenho foi feito, o gradil divide o desenho em segmentos, que são visualizados ora vazando o jardim logo atrás dele, ora se fechando  e formando a imagem cheia  que encobre a vista do fundo.

Paisagem originária​,  2018

 

desenho em parede

Ribeirão Preto é mais uma cidade que surge sobre o cerrado, e que apesar das atividades agrícolas e o crescimento urbano, ainda tem algumas áreas residuais bastante impactadas. No entanto essa paisagem já se apaga da vista e pensamento, as cidades do interior tem uma vontade da capital, de crescer seguindo seu modelo de desenvolvimento, onde toda a paisagem  é destruída. A perda de conexão com a cultura local, típica de grandes cidades com influência cosmopolita, se torna um objetivo a ser perseguido de forma acelerada em Ribeirão Preto.

A unidade do SESI, que recebe muitas crianças, que estudam, fazem esportes e brincam, passaram a conviver com o desenho nesse muro lateral, que em alguns momentos se funde com os volumes e o jogo de sombras das árvores próximas. Rapidamente a parede se transforma em cenário de brincadeiras, e talvez essas imagens, "de brincadeiras no campo" fiquem na lembrança, esperando um momento onde possam ser recuperadas na identidade da cidade. 

Daniel Caballero © 2025

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