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TÓXICO TRÓPICO NAS FACHADAS 888

DA RUA D.JOÃO IV NO PORTO

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Com curadoria e coordenação de Prudência Coimbra, Maria de Fátima Lambert e António Fernando Silva, recebi o convite da Escola Superior de Educação, para fazer um trabalho como parte dos eventos que comemoram os 30 anos do Politécnico do Porto. Combinamos que o trabalho seria feito á distância, partindo de algumas reuniões por Skype com instruções bem simples, e executado por uma equipe de aproximadamente 90 alunos do curso de Artes Visuais. O conceito do trabalho segue o mesmo procedimento da série de paisagens Tóxico Trópico. Á partir de uma série de elementos pré-determinados, como pedras, entulhos, escada, vegetação entre outros, desenvolvo novas composições, formando novas paisagens. A diferença agora é que o desenho seria realizado em escala gigante, na fachada de dois simpáticos edifícios da Rua D. João IV, bem típicos do Porto. Os alunos, todos equipados, munidos de capacetes, andaimes e coragem para enfrentar a altura, desenvolveram o desenho de forma surpreendentemente organizada e rápida. Fiquei acompanhando pela internet, a empolgação em resolver o desafio,  e a cada dia o impacto  do desenho na paisagem urbana crescia. O resultado foi uma intervenção no cotidiano que se relaciona com o entorno, tanto dos prédios vizinhos, quanto de um barranco de pedras coincidentemente situado em frente da pintura. Ter feito essa paisagem de destruição com elementos do Brasil em um prédio de Portugal precisando de uma boa restauração, trouxe novas camadas de leitura, assim como a própria situação do trabalho coletivo. Adoraria ter acompanhado o trabalho, a empolgação era nítida nas imagens que recebia nas redes sociais, mas qualquer participação minha na produção teria acabado com a proposta. Nesse caso a distância faz a graça, e fico observando quieto e agradecido, meus novos amigos se apoderando e dando novos significados a esse desenho que já fiz tantas vezes, e que agora não é apenas meu.

"Sob desígnio e suspeita, o desenho entra na paisagem e sedentária-se nas fachadas do 888,rua D.JoãoIV..." por Maria de Fátima Lambert, Dezembro de 2014

 

 

Esta paisagem é dinâmica. Preocupa-me a natureza do solo, por isso me imponho certa unidade de flora e fauna, uma ligação mineral, as articulações meteorológicas. Mas a paisagem move-se por dentro e por fora, encaminha-se do dia para a noite, vai de estação para estação, respira e é vulnerável. Ameaça-a o próprio fim de paisagem. Pela ameaça e vulnerabilidade é que ela é viva. E é também uma coisa do imaginário, porque uma paisagem brota do seu mesmo mito de paisagem. Aquilo que lhe firma a existência situa-se nas condições do desejo: o movimento entre nascença e morte. A tensão criada pela ameaça destruidora afiança-lhe a vitalidade. A árvore da Carne.  

Herberto Hélder, “(guião)” [“(script)”] 

 

1 - Sob desígnio e suspeita da paisagem

 

…na senda de Bernardo Soares, eu poderia dizer que não acredito na paisagem. Mentira. Também que a paisagem é uma mentira inventada para colmatar lacunas, intervalos de existência. Se assim fosse, a respiração poderia emanar e ser fragmento de árvores, rios, nuvens ou penhascos; também, plasmar-se em parcelas de muros em derrocada, fachadas carecendo ser acariciadas, escarpas e barrancos em desequilíbrio.

Filosofia da paisagem e iconografia da utopia são termos que emergem do projeto de pintura das 2 fachadas da rua d. João IV, que se desprendem no desenho concebido por Daniel Caballero, que se evidenciam na contemplação do transeunte disposto a ver. Nunca tanto como agora se considera a estética como campo alargado para pensar, sentir e conhecer., supondo divergências e consonâncias. Assim mesmo, a estética da paisagem é necessariamente plural pois o conceito se "ramifica", congregando conhecimentos que procedem de diferentes disciplinas. 

No pensamento ocidental, a história do tema e género da paisagem é abordado sob múltiplos aspetos, metodologias e exigindo contextos científicos, culturais, artísticos. Várias disciplinas concorrem, portanto, para o maior rigor, sistematização e ampliação de reflexões, argumentos e interpretações sobre/d[a] paisagem. 

A paisagem como invenção é, por vezes, assimilada ou confundida com a natureza, e erradamente contrastada com os conceitos, a título de exemplo, de cidade, de urbano…

Exatamente neste prisma há a ponderar a intenção, a missão e a concretização de obra que Daniel Caballero empreendeu e desenvolve.

A paisagem, na pintura e na fotografia, tanto quanto no vídeo ou cinema, é figurada e povoada por seres vegetais, animais – reais e híbridos – que se repetem ou desaparecem. A paisagem é efetivamente uma decisão humana, suscetível de ser recriada, renascida todas as vezes que o mundo a queira replicar. Na realidade, a razão de replicar é um ato constitutivo, gerador de singularidade, nunca de repetição no sentido constritor do termo. 

A paisagem nunca pode ser a mesma, nem tampouco “parecida” como fechamento e cópia, pois nem o tempo cronológico, nem o meteorológico são repetíveis. Aquilo que se vê nunca é o mesmo, o que acontece também com as pessoas que se mudam a si mesmas, de formas impercetíveis mas certas e irrevogáveis. 

A paisagem não se esgotou nas formatações convencionais, nas modalidades estereotipadas ou em recorrências. 

A paisagem reativa-se, a e em si mesma, mediante atualizações irreversíveis que ganham território na obra de artistas, cuja relevância é inequívoca. Estas considerações aplicam-se à argumentação temática sobre os elementos elencados na paisagem, por exemplo, o mar, a montanha, a charneca (ou arquitetura, os traçados urbanísticos…) como paisagem e, sobretudo, como os elementos na sua qualidade de substância, ideia e intencionalidade. 

 

 

 1- Daniel Caballero + Estudantes da Licenciatura de Artes Visuais e Tecnologias Artísticas da Escola Superior de Educação, nas Comemorações dos 30 anos do Politécnico do Porto

 

 2 - In Photomaton & Vox, Lisboa, Assírio & Alvim, 1995, p.140

 

2 - Sob desígnio e suspeita do desenho*

 

O desenho, na contemporaneidade e no presente, assumiu uma autonomia, à semelhança do sucedido com disciplinas científicas, como foi caso, da estética relativamente à filosofia. O desenho deixou de ser considerado como fase intermedial ou preparatória para concretizar uma expressão artística finalizadora. Os artistas, ao longo do século XX, “descobriram” o desenho, muito em particular – e na perspetiva emancipatória, depois dos anos 50. Até à atualidade, tal posicionamento e convição vieram a consolidar-se através de algo tão simples quanto a decisão assegurada, fundada na intencionalidade que a move. Não importa tanto o que é o desenho (o que nele se reconhece, o que representa) mas como é. É relevante o “como” do desenhado, mais do “que é” desenhado. Constata-se a lógica, coerência, plano epistemológico que sejam implícitos, determinando a sua própria essência enquanto desenho para afirmar na atualidade (após o desenho dito contemporâneo). Envolve escolhas e deliberações lúcidas por parte dos artistas (como assinalei antes). 

A aproximação física ao desenho, para melhor o observar direciona para uma intimidade que não somente a de quem o realizou. As dimensões e técnicas, tanto quanto os seus conteúdos iconográficos (e semânticos) determinam a colocação, a postura, tudo aquilo que um corpo exige para olhar em detalhe e pormenor ou em distanciamento e perspetiva. O desenho implica, assim, uma ação por parte do espetador, tornando-o protagonista de um ato de conhecimento singularizado. O desenho constrói, por assim dizer, identidades diferenciadas perante uma mesma proposta gráfica. Ou seja, o desenho rege a constituição de uma linha de movimento do corpo do espetador, sua cativação e sequencialidade no ato de ver. [« J’ai découvert que dessiner n’était pas seulement/regarder, mais aussi toucher. » Jan Fabre] Neste sentido, “ver” um desenho será efetivamente “desenhar”, pelo movimento do corpo próprio (do espetador), um ato único de perceção visual.

A atitude de cada um direciona/orienta a apropriação do desenho como pele, conteúdo ou aparência, entre outras supostas “modalidades”, exigindo ocultamento e/ou desvelamento de algo ou alguém, consoante os casos: “The paper becomes what we see through the lines, and yet remains itself.”

O Desenho configurará, portanto, maneiras de olhar, apreender, interpretar e, por outro lado, como acima se referiu, de estar e posicionar perante, promovendo, assim, a diferenciação. Não somente cabe ler os sentidos, significados implícitos no desenvolvimento e registo do desenho – em termos morfológicos – antes haverá que (re)conhecer a linguagem do desenho em si. Pois o desenho, enquanto substância, poderá sofrer transmutações, agregando-se-lhe uma quase organicidade de elementos (versus cosmogonia): “The paper lends itself between the lines to becoming tree, stone, grass, water, cloud.”

O histórico remoto do desenho não invalida, antes vivifica (reitera) a sua pregnância na arte da atualidade, metaforicamente visível na famosa edição Vitamina D… Há que saber ultrapassar as circunstâncias restritivas, os estereótipos implícitos em modelos de ensino artístico, subvertendo-os e antecipando-os.

Sendo que, então: “…Poderia dizer a prática do desenho como principio e fim da obra.” 

 

*Esta alínea corresponde a uma adaptação do meu texto publicado  in 500 anos de Desenho na Coleção da FBAUP, Porto, MNSR/FBAUP, 2012.

 

 Margaret Davidson, Contemporary Drawing – key concepts an techniques, N.Y., Watson-Guptill, 2011.

 

3 - Sob desígnio e suspeita de Tóxico Trópico, desenhos de Daniel Caballero 

 

Convoquei a paisagem e o desenho, antecipando o que seja uma magnífica “joint venture estética” na obra de Daniel Caballero. Por certo, quer a paisagem, quer o desenho são habitados, neles residindo alteridades e sujeitos únicos. Neste caso – projeto das fachadas – a paisagem entrou dentro do desenho que dele sai para ocupar o seu lugar nas fachadas das casas erguidas como paisagem urbana. Paisagem e desenho protagonizaram uma celebração que durou uma semana e demorará o tempo que persistir. 

A obra de Daniel Caballero coincide numa persistência que desafia as dominantes destrutivas do tempo, anulando as previsões que os hábitos e rotinas instalam, subvertendo-lhes o destino. Os seus desenhos adquirem diferentes proporções e cumprem objetivos múltiplos. Podem subsistir emoldurados ou atravessar vidros e tornar mais opacas as paredes e muros. Alteram o aspeto de ruas, casas, hospitais, estações de metro e outros não-lugares que existam e o provoquem como desenhista e cidadão.

… apenas em raros casos surgem autorrepresentações. Quando elas se vêm tomam uma proporção de flânerie que é uma das matérias-primas da sua produção e pensamento. Todavia, a sua pintura desenhada desenvolve-se, partindo da convicção da pessoa humana na cidade. Eis o âmago do seu pensamento estético: plasmar pelo desenho tudo aquilo que visibilize o quanto a cidade é desconstruída, para o humano nela soçobrar incondicionalmente. A figura humana determina a denúncia que subjaz na paisagem, pela sua persistência, ao resistir, subsistir e demorar…assim contrariando quase todos os desígnios de uma excesso de civilização. A figura na paisagem não é epidérmica ou aparencial, está entranhada.

Pedras, arbustos, vegetação espontânea, árvores, escadas, estruturas e fundações de casas, muros, fachadas…trata-se de afirmar uma organização entre elementos da natureza e edificações, arquiteturas concebidas pelo humano em períodos de tempo que se sequencializam na cidade. 

A estética das ruínas, numa visão pouco idílica, é uma das referências incontornáveis ao observar a sua obra. Estamos habituados a pensar sobre o primado desta arqueologia da memória das civilizações, quanto à sua dimensão patrimonial (em distintas tipologias, do edificado ao imaterial humano) e mapeiam-se estilos e afinidades na história da arte ocidental: dos frescos de Pompeia e Herculano, passando pela pintura romanticista e chegando às correntes e modos fotográficos que cercam as ruínas – valências históricas, artísticas, estéticas e poéticas. Assim, a deambulação orientada (quase paradoxo, pois que consignada a um escopo societário que reage contra a invisibilidade do humano na urbe) de Daniel Caballero cumpre a lucidez em traçar caminhos vividos pelo seu corpo que depois transporta no desenho os elementos visionados que são matéria mais gritante do que foi olhado e visto. 

As ruínas de Pompeia e Herculano tornaram-se marco simbólico, pela tragédia que as originou mas, sobretudo, pela complexa panóplia de elementos, artefactos, pinturas e citações antropológicas e culturais que se revelaram. Essas ruínas povoam o nosso imaginário. Pode falar-se de um imaginário das ruínas que organiza a conceção artística de autores, rem ramificações geracionais – enquanto elementos visuais e com uma valência plástico-visual. Também, impregnadas de uma poética, nele fundada, com transposições emblemáticas e ou subjetivistas para as identidades autorais…No caso do desenhista brasileiro, constato tudo isso, acumulado à questão atualizada de saber as circunstâncias do seu tempo – em que vive – pretendendo elucidar e agir sobre as perversões pequenas que incendeiam os direitos e qualidades da vida humana – por si e em sociedade. As ruínas são o topos do humano em Krisis para recuperar o termo husserliano. Que carece derrubar para expandir as “ruínas”… e evitar novas (mas inevitáveis) Pompeias...

Daniel Caballero percorre as ruínas que estão em devir, numa cidade onde a rapidez na mudança das estruturas habitacionais e arquitetura em geral é incontrolável. Pretende fixar nos seus desenhos essa mudança em latência, preservando uma memória anônima de lugares, edifícios e suas gentes em condição de quase invisibilidade…No ano passado, quando da sua intervenção na QuaseGaleria, o artista brasileiro trouxe para dentro da Sala, elementos vistos pelos janelões. Arbustos, muros em derrocada, árvores e terra adquiriram uma outra condição de vidência, deixando-se alastrar pelas paredes, portas, lambris e bandeiras. As camadas de tinta preta e tinta branca sobrepuseram-se criando modulações, volumetria, profundidade e espessura. Ainda coube decidir, no soalho de madeira, três livros de onde emergia tridimensionalidade em hastes de vime cruzadas com fios entrelaçados. 

Neste projeto de “intervenção artística em espaço público do Politécnico do Porto”, em 2015, o seu desenho estabeleceu-se numa rua da cidade, onde o betão também existe mas obviamente não atinge a magnitude, o excesso de urbano que carateriza São Paulo. O homem do concreto – paulista e tudo – por entrepostas condições, propiciou a gestação e emancipou a obra, tendo-a visto partilhada. O desenho possui um valor acrescido ao artístico que é o educacional. Sabe-se que promove a criatividade, gerando condições de uma autoidentificação que se plasma, ao exteriorizar a conciliação do corpo, pensamento em dinamismo vital. 

Se desenhar agudiza a capacidade de olhar para ver, no caso de Daniel Caballero, a necessidade em olhar, rasgando incómodos na paisagem urbana, induz ao desenho. São vasos comunicantes. O desenho é instrumento cognitivo, que possui em si a própria substância, explanando-se em conteúdos que pode importar de plataformas diferenciadas para além de possibilitar o exercício de uma auto-crítica, auto-referencialidade e auto-documentação criativa…Os caminhos do desenho, na atualidade são díspares, iluminando territórios do eu, do outro e dos outros. 

“A estrada corta a planície em linha reta até ao horizonte. Não há nada na paisagem desértica. Apenas o mato rasteiro que cresce no chão do cascalho.”

 

 

 4 - John Berger, Twice Drawn – Modern  and contemporary Drawings in context, The Francis Young Tang Teaching Museum and Art Gallery at Skidmore College and Prestel Verlag, Munich, London, N.Y., 2011, p. 182.

5 -  John Berger, Op. Cit, p. 182.

6 -  Paulo Reis, “O Contracto do Desenhista”, texto para a exposição coletiva in Plataforma Revolver, 2008.

 

4 - Autorias em estado de partilha e efemeridade

 

"Sim, a obra artística é sempre o resultado de um ter estado em perigo, de ter chegado ao fim numa experiência, aonde já ninguém pode ir mais longe." 

(…)

 

“Quanto mais se avança nela, a vivência torna-se mais próxima, mais pessoal, mais única, e ao fim, a obra artística é a manifestação necessária, irreprimível, o mais definitiva possível, de tal singularidade…”

 

Rainer Marie Rilke, "Cartas sobre Cézanne"

 

O processo empreendido implicava a confrontação entre as definições de autoria do desenho - por Daniel Caballero - e autoria da pintura do desenho [tomado como referência convertendo-se em símile?] por parte dos Estudantes de Artes Visuais da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto que assumiram o processo de execução (livre). Esta conversa de autorias em consonância desenrolou-se sob auspícios de uma articulação exemplar. Apesar de existir um oceano de permeio e a impossibilidade física de um diálogo presencial, o diálogo flui, cumprindo propósitos metodológicos, artísticos, estéticos e pedagógicos. Não se tratou de estabelecer ou transmitir instruções fechadas para o desempenho, antes se ocuparam todos na partilhar de motivações educacionais para uma e outras sociedades que, por vezes, negligenciam o seu património, memória e futuro, em paralelo e nas diferentes aceções e tipologias: património arquitetónico, património cidade (e urbano), património humano identitário, património natural, património ambiental, património memorial…enfim todos subsumidos e em prol de um património simbólico – coletivo e que, através de uma ação consentânea e de resiliência, congrega os reinos (síncronos) do real e do imaginário. 

Ação conjunta implicou uma cumplicidade testada nos primeiros dias, quando da definição de estratégias e procedimentos; houve que acertar amplitude de gestos e extensão de pinceladas, de modo a que o desenvolvimento de uma pessoa, coincidisse com o traçado da outra. Mediante uma fragmentação do desenho em partes constitutivas, cada pessoa ficou encarregue de cumprir um trecho de desenho, convergindo para o desenho/pintura como todo. A espessura do desenho acumulou-se à densidade desigual da superfície das fachadas. As varandas, umbrais de portas e janelas, as reentrâncias do sótão ou as caleiras serviram de cenários, desacreditados estes elementos como obstáculos. Assim se instituiu uma outra visão da rotina percorrida ou hierática de quem demora a olhar. Pois que as ruínas apossaram-se da pintura, propondo novas derivas que se alongam, sobem nos traços compactos ou na fluidez de linhas volumetrizadas. Afinal, as fachadas em pedra são matéria densa que, apesar do estado de degradação, guardam os motivos refletidos do pensamento do artista brasileiro e das efabulações impulsionadas nos portugueses. 

As fachadas absorveram camadas de tintas sobrepostas ou ladeadas, apresentando uma espessura texturada que perfila o alçado, os contornos em ângulos curvados pela perceção de quem vai circulando na rua, sobe ou desce a calçada. É um desenho pintado e enorme que acompanha os moradores do bairro, surpreendendo-os. 

 

“Les ruines ne sont pas seulement des bâtiments dégradés, elles participent du paysage rêvé. »

 

Trata-se de ruínas que desafiam o desmoronamento físico, aplaudindo-o no que possui de fruição estética e des-incómodo de gente indiferente.

Trata-se de um caso de memória, conjugando as razões do individual e do coletivo com as atribuições do imaginário – quer individual, quer coletivo. 

Trata-se de saber localizar-se. Trata-se de ser capaz de vaguear, sem perder a noção do pensamento crítico, encarando o mundo. 

Trata-se de aceder a uma plataforma de conhecimento que é raro pois implica a generosidade mútua e a perseverança de muitos. 

Trata-se de construir na superfície das fachadas, uma volumetria desigual mas uniforme, que ao pintar apenas foi passível de ser vista, à distância. 

Trata-se de um projeto de paisagem reconfortada pela presença de consecuções imprevistas e sonhos resilientes. 

Trata-se de continuar, manter desperta a ação artística, agindo como convictos “operadores estéticos” (parafraseando José Ernesto de Sousa).

 

7 -  Nelson Brissac Peixoto – Cenários em ruínas, Lisboa, Gradiva, 2010, p.79

 

8 -  Dominique Fernandez, Ferrante Ferranti et Patrice Alexandre, Imaginaire des Ruines, Paris, Actes Sud, 2009, p.16      

 

* Texto realizado por ocasião da curadoria da ação conjunta de Daniel Caballero com os estudantes do Politécnico do Porto, na fachada do prédio 888 da R. Don João IV, Porto, Portugal - 2015. 

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