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COMO DESENHAR

MONTANHAS NÃO DESCOBERTAS?

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 300 

quilômetros

separam São Paulo

de Ribeirão Preto. Entre as

duas cidades existia uma exuberante

natureza totalmente destruída pelo progresso.

Como desenhar montanhas não descobertas, apresenta

 duas rampas iniciais para a subida de uma montanha, unidas

pela imaginação e a vontade das pessoas de trazer a natureza de volta.

O espaço entre as duas cidades é inteiramente preenchido pela mata e seus 

bichos. Mas o que acontece com as pessoas que vivem entre as duas cidades? Toda a boa vontade em trazer a natureza de volta, eliminou famílias inteiras, empresas, cidades e rodovias, agora completamente soterradas pela proposta imaginativa. Entre a vontade e a realidade, o trabalho problematiza, a disputa territorial entre a vida urbana e a vida selvagem. As montanhas, um obstáculo para o urbanismo, que rapidamente ocupa áreas mais planas, se tornam redutos da vida selvagem e de paisagens ancestrais. A instalação foi, realizada em 2015 durante duas individuais simultâneas, Terra non descoperta,  na  Galeria Virgilio em São Paulo, e  Tudo que vejo é meu, apresentada no programa de exposições do MARP, Museu de Arte de Ribeirão Preto. Quase todas as plantas vieram do meu jardim caseiro, formado á partir de coletas realizadas

durante minhas expedições pela cidade em busca da vegetação dos campos antigos. A pesquisa que conforme avançava, formava um jardim com a visualidade dos lugares visitados, mostrava maior variedade de espécies, ao misturar plantas provenientes de lugares diversos pela  cidade, a grande maioria delas coletadas pouco antes da destruição completa para  a construção de prédios residênciais.  A instalação propunha criar  ou eventualmente desenterrar imagens mentais  da paisagem do campo, á partir da experiência sensorial. A visualidade, o cheiro do campo que exalava a cada irrigação,  sentir no tato suas diferentes texturas, e até saborear algumas frutas que se desenvolveram no período , enquanto borboletas voavam ao redor, aproximaria as pessoas desse tipo de flora? Ficou claro que o tempo de uma exposição era curto demais para aprofundar todos os assuntos que essa experiência poderia despertar, o que me levou a procurar um lugar,  algum espaço público onde pudesse plantar  tudo definitivamente. Foi á partir deste trabalho que  começa o Cerrado Infinito e seus desdobramentos. 

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Instalação na Galeria Virgilio, durante a individual Terra non descoberta.

Todas as plantas são originarias de coletas e mudas que fui colecionando,  e por sua vez conforme cresciam,  tornaram completamente conta do meu jardim doméstico.

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Sobre Terra non descoperta por Douglas de Freitas, 2015

 

É natural que com o passar do tempo a paisagem vá se alterando. Esse processo não é exclusivamente resultado da ação do homem, desde que o mundo é mundo, processos químicos, e de sobrevivência das espécies, acarretam na mudança da paisagem. Foi apenas nos últimos séculos que a ação do homem veio de fato ter impacto sobre a paisagem, e a noção da escala desse impacto chegou apenas nas últimas décadas, com o avanço da tecnologia, e a possibilidade de observar a terra a partir de outra escala, a aérea, dos voos e dos satélites. 

Nos últimos anos Daniel Caballero voltou sua pesquisa para os extintos Campos de Piratininga, tipo de vegetação característica do Cerrado Paulista, que tinha presença intensa na cidade de São Paulo. Seu interesse veio de trabalhos anteriores, onde o artista registrava a coexistência entre natureza e ação do homem, ou natureza e construção humana. Deste processo surgiu o interesse em saber que espécies eram aquelas, que se embrenham no concreto e resistem. 

Assim nasce a exposição “Terra non descoperta”, título emprestado do primeiro mapa que mostra o Brasil individualmente que se tem notícia, realizado por Giovanni Ramusio e publicado em 1556 em Veneza, onde um território impreciso é retratado junto a monstros marítimos, e o rio Amazonas nascendo de um vulcão ativo. Assim como no mapa, realidade constatada e construção poética se misturam nos trabalhos do artista. Na entrada da exposição o artista edifica a base de uma montanha seccionada. A vegetação que a constituí são exemplares característicos do Cerrado Paulistano, colhidos pelo artista em sua maiorias em espaços urbanos, reconstruindo assim uma imagem ficcional do que seria a paisagem intocada da cidade de São Paulo.

O trabalho se concretiza em sua integridade máxima dia 29 de maio, com a construção da outra ponta em secção dessa montanha monumental invisível dentro do Museu de Arte de Ribeirão Preto. Lá a montanha chega com exemplares colhidos da região, como se ao percorrer a distancia monumental de mais de 300 km, a montanha também viajasse no tempo, saísse de um estado intocado de 500 anos atrás para chegar em Ribeirão Preto como a paisagem contemporânea. 

Na série de desenhos e pinturas de grande formatos presentes na exposição, os registros precisos da ação de resistência da natureza à cidade contemporânea dão lugar à construção de paisagens densas, construídas sobre outras paisagens, entre detalhes de plantas, plantas arquitetônicas e escritos do artista. Nesses trabalhos varias técnicas e estratégias são traçadas e sobrepostas, em um construir e apagar para então construir novamente, como nas paisagens das cidades. Ao mesmo tempo em que são caóticos, esses trabalhos ainda trazem algo de um estado meditativo de contemplação, como nas pinturas de Alberto da Veiga Guignard, ou nas pinturas orientais que Guignard tanto reverenciava. Junto as pinturas aprecem uma série de desenhos, fotos e vídeos, que se articulam para dar conta das ações do artista sobre essa paisagem que ele investiga. Aqui o registro volta a aparecer no trabalho, e reaparece de diversas maneiras, com liberdade de expressão, ao rigor realista das gravuras e mapas que registram expedições de descobrimento e desbravamento, ou ainda como estudo de botânica de espécies encontradas na cidade, tudo posto como estudo do fazer do desenho, apresentados como insígnias dos achados do artista, e mostruário de seu apuro técnico.

Se em “Viagem pitoresca através do espaço ao redor da minha casa” Daniel Caballero propõe registro de sobreposições entre cidade e natureza dentro da escala do seu cotidiano, “Terra non descoperta” tem outra escala. A escala continua a do corpo, a corpo do artista, a do nosso corpo, mas não é simplesmente um registro poético do cotidiano. Aqui o que sai da escala do presencial é imaginativo, é ficção construída pelo artista, e se desdobra em outra escala de tempo e espaço. Tudo aqui é paisagem reconstruída dentro do ideal romântico de paisagem, é a natureza tentando vencendo o concreto, se infiltrando e retomando seu lugar, num exercício de se deixar apagar, para depois voltar a construir. 

 

1 Exposição realizada em 2012 no Paço das Artes – SP, como parte da Temporada de Projetos

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Sobre Tudo que vejo é meu! por Andrés Hernández 2015

 

Você já subiu a ladeira de uma montanha? Por qual dos lados da montanha? Tem certeza? Como você decide qual é o lado ideal?

Esses são, entre outros, os questionamentos levantados por Daniel Caballero na exposição Tudo o que vejo é meu, na sede do Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), mostra que tem como precedentes Viagem pitoresca no espaço arredor da minha casa, instalação no Paço das Artes, em 2012, e a exposição Terra non descoperta, na Galeria Virgilio, em cartaz até 4 de junho de 2015, ambas em São Paulo. 

O artista classifica as montanhas em três tipos:

A do cerrado, construída com plantas do cerrado. Em exposição na Galeria Virgilio; 

A das espécies invasoras como capim africano, milho transgênico e plantas abandonadas pela floricultura, que invadem o espaço do que era originário. Plantas catadas na rua e em espaços públicos da cidade de Ribeirão Preto, na exposição Tudo o que vejo é meu, aqui no MARP a partir de 29 de maio; 

E a do ambiente tropical: orquídeas e plantas originárias da Índia que manifestem o exotismo no cotidiano. Ainda como projeto a ser executado.

As montanhas dos três tipos estruturam-se como quebra-cabeças arqueológicos, imaginando reconstruir o bioma cuja origem plástica começa na coleta sistemática que o artista faz de sementes, mudas de plantas e pedaços de galhos que depois planta no seu jardim ou nas instalações. Assim, Caballero idealiza a construção das montanhas não como uma reconstituição fiel, mas imaginária, pois nas montanhas construídas o artista nos coloca na situação de decidir qual dos lados escalaremos presencial e individualmente e/ou através de referências e questionamentos sociopolíticos a partir de representações estéticas.

Um paralelo pode ser feito com o projeto visionário do arquiteto francês Eugène-Emmanuel Viollet-le-Duc(1814-1879), um dos primeiros teóricos da preservação do patrimônio histórico e considerado um precursor teórico da arquitetura moderna. Para restaurar o Mont Blanc devolvendo-lhe sua grandiosidade original, ele projetou uma montanha a partir de uma montanha, e o mais extraordinário: pensou em transformar o cume da montanha em obra de arte. Uma nostalgia utópica para um futuro luminoso. Uma fantasia que combina ciência e sonhos, românticos delírios originados de talento e conhecimentos. Caballero sugere, também, construir uma montanha ideal entre a Virgilio e o MARP, mas ela estaria direcionada, sobretudo, à reflexão a partir de um raciocínio plástico. Nessa concepção metafórica, o artista nos alerta também para a expansão do cruel tratamento dado à natureza, incluindo a fragilidade das montanhas perante sua própria imobilidade e a mobilidade destrutiva que o homem lhes dá quando constituem uma fronteira para a expansão da modernidade. Caballero explora igualmente as relações entre a arquitetura e a paisagem destinada a interferir, redefinir e modificar os lugares previamente regulados pelas atuações arquitetônicas, além daquelas marcadas por um caráter pontual, crítico e efêmero associado ao enfrentamento com a ordem política, social, institucional e midiática. Narra-se a relação das montanhas entre si e com quem as vê. 

Se Viollet-le-Duc considerava o Mont Blanc uma ruína da qual era possível recuperar a forma, tal como na restauração de um monumento, Caballero dá forma a sua montanha a partir de ruínas, bem como das ideias de preservação e restauração de monumentos em processo: os resultados da ação do tempo e do homem sobre a natureza. 

Essa mobilidade, sugerida e imaginada para um entorno aproximado de 300 km de distância (entre São Paulo e Ribeirão), estabelece, ao mesmo tempo, um limite imensurável onde se insere a subjetividade do ser humano a partir dos elementos que cada um dos lados da montanha pode delimitar. Quanto há de movimento interno? Que tipo(s) de movimento(s) acontece(m) entre as montanhas? O que seria essa paisagem intermediária? O começo da ladeira em cada lado (São Paulo e Ribeirão)? O lado de lá pode ser ao mesmo tempo o de cá, e vice-versa: um movimento geral. O artista provoca, assim, uma situação sensorial de reconhecimento espacial e temporal no pensamento imediato do espectador. Constrói um monumento imaginário à natureza feito pela visão e experiência individual. Cada indivíduo imagina o espaço e a natureza sem nunca se ver nem prever o fim! Mas isso é impossível. Trata-se de um monumento na escala humana. 

Nesse espaço imaginado entre montanhas, inclui-se a discussão sobre a avaliação das formas para entender o legado dos índios, o respeito a sua cultura ancestral, sem aquilo de “Vamos salvá-los!”. Salvá-los de nós mesmos, não? Um alerta ao fato, por exemplo, de que os materiais que os índios utilizam tradicionalmente já são escassos ou não existem nas reservas: o sapé, que é utilizado na construção   de telhados, está extinto, tem que ser trazido de outros lugares. As reservas demarcadas viram quase zoológicos humanos.

Caballero delata também a guerra invisível a que o homem induz a natureza, por exemplo, o capim que queima e ressuscita rápido e se sobrepõe ao lugar das plantas nativas, numa guerra silenciosa. A transformação da paisagem em outra paisagem. E questiona: como reconstituiremos as reservas florestais?

Na exposição, além do caudal de relações subjetivas particulares que sugere, o artista nos provê informações que ajudam a reforçar as sensações, e nos conecta com acontecimentos visuais possíveis entre as montanhas por meio do vídeo e das amostras de terra. É uma conexão com histórias distantes e com o desconhecido.

O vídeo Tudo o que vejo é meu, 8’, que dá título à exposição, foi produzido a partir do percurso do artista pela chapada dos Veadeiros, em Goiás, e sugere que essa mobilidade intermediária seja imaginada. A terra cortada com a paisagem de fundo, o brilho do céu e os contrastes do tudo vermelho ou vermelho-preto-e-branco fazem uma conjugação da paisagem original no plano de fundo com o real, resultado da mão do homem, num primeiro plano que gera uma cartografia cromática mutante. É um autocontraste estético que se acentua com as frases inseridas pelo artista, intensificadoras dessas relações contraditórias. Por exemplo, “Minhas pegadas escrevem a terra”. São caminhos que vão sendo segmentados, onde o que resta são  corredores ecológicos. Relação de escala e tempo. Não percebemos o espaço e como isso muda. A tese e a antítese. Se, para os colonizadores, o convívio constante com o maravilhoso de certa forma habilitou o olhar dos portugueses a enfrentar sem surpresas a possibilidade do Paraíso na Terra, Caballero nos apresenta aqui um manifesto estético e crítico contemporâneo de valorização da natureza segundo a percepção de uma realidade social por meio da cultura e daqueles que decidem sua sorte. Esse manifesto é organizado em função da lógica de uma situação cultural, um campo expandido regido pela condição do homem em seu tempo.

Os elementos alegóricos utilizados por Caballero impugnam todas as possíveis alusões a referências representativas e, por conseguinte, a sua natureza significativa. Assim, o artista faz com que a arte continue funcionando como linguagem. Dos cortes na terra e na natureza e do percurso mostrado no vídeo brotam as amostras catalogadas de terra, intituladas Terra Firme que têm o precedente de Como escolher uma boa pedra ?, uma catalogação seriada de pedras – por exemplo, P.01. Na exposição, Caballero apresenta as amostras de terra em Lotes. Catalogados, cada lote contém terra de um lugar diferente. Exemplos: L01503, L41847. Lotes que singularizam a pluralidade de possibilidades nesses deslocamentos perceptivos e polêmicos.

A proposta pretende provocar sensações a partir de um movimento espacial, atemporal e imaginado, uma realidade inventada. O espaço representado partir do espaço vivido associado às atividades cotidianas do homem, reunindo traços que confiram novas características fisionômicas a um lugar. Caballero formata uma cartografia de planos na articulação entre a representação no espaço expositivo e a leitura crítica do espaço visualmente descrito. Uma geografia imaginária a ser decorada como um dos primeiros mapas do Brasil, publicado em 1556: o Atlas delle navigazione e viaggi, de Giovanni Battista Ramusio, que descreve a viagem do piloto francês Jean Parmentier à costa brasileira. O Atlas talvez contenha o primeiro mapa do Brasil mostrado individualmente, ainda que de forma imprecisa. A Terra non descoperta foi representada por montanhas, com a fantasiosa indicação dos rios Amazonas e da Prata nascendo num vulcão ativo, em plena selva amazônica. 

A impossibilidade de dimensionar o tamanho da montanha (que tem dimensões iniciais 200 x 350 x 250 cm, variáveis porque as plantas crescerão), por causa das transformações que o microssistema gerará durante o período da exposição, manifesta o interesse do artista em transgredir a utilização dos espaços expositivos. É uma necessidade de revolta como princípio constitutivo da arte, mesmo princípio que determinou o surgimento de um tipo de arte afastado do viciado circuito comercial, propondo aceder ao domínio do público através do estabelecimento de uma conexão a-direcional entre a cidade, o público e o espaço expositivo. Inserem-se aqui o vídeo e as amostras de terra.

Além das dimensões físicas do projeto, é importante destacar que se trata de um manifesto plástico relativo ao registro de um processo efêmero em transformação material e subjetiva como meio para divulgar uma sensibilidade contemporânea na relação com a natureza.

O artista propõe a renovação e o aperfeiçoamento da percepção, estruturando espaços possíveis para mobilizar e desenvolver o pensamento ao incentivar ao espectador a envolver-se no ato criador, num fluxo midiático de referências cotidianas transformadas em obra de arte – acentuando, assim, a diferença no modo com que reagimos esteticamente à proposta inovadora. Propõe-se, na minha opinião, diluir um único ponto de vista numa estrutura aberta à colaboração (artista/espectador = espectador), num campo ilimitado de interpretações , alternativas e intervenções. 

Assim, a proposta de Caballero para o MARP manifesta seu compromisso com a renovação e discussão da arte no tempo atual e coloca sua produção em concomitância com o posicionamento de Piero Manzoni (1933-1966): “[...] Com o surgimento de novas condições, a proposição de novos problemas, comporta, com a necessidade de novas soluções , também novos métodos e novas medidas; não se pode sair do chão correndo ou saltando; asas são necessárias; as modificações não bastam; a transformação deve ser integral”. 

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Lote  - Série de desenhos feitos com terra  vermelha de cerrado, de diferentes tipos de vegetação campestre em terrenos baldios.

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Borboleta nascida na instalação

Instalação no MARP, Museu de Arte de Ribeirão Preto.

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